“Você não vai engravidar”.
A máxima que durante um ou outro vacilo inconsequente era tão ansiosamente esperada caía, no horizonte dos quarenta, como uma sentença, uma punição. Afinal, a vida inteira havia sido bombardeada pela mídia, por parentes, por parceiros e por ilustres e inconvenientes desconhecidos sobre a necessidade imprescindível de parir, gerar, multiplicar-se. Livrar-se do estigma atribuído de uma existência incompleta, seca, oca e egoísta de não produzir vida dentro de si.
Em que sã consciência uma mulher negaria, por vontade própria, o papel para o qual nasceu? E o que poderia ser uma mulher infértil, quando sua única missão indelével é impossível? Qual é o sentido de existir mulher e não ser mãe?
Sentiu-se sufocada por todas essas perguntas saindo do consultório no piloto automático e entrando no supermercado. Entre uma e outra gôndola, passou por um menino de seus 3 anos estirado no chão, gritando a plenos pulmões e se debatendo feito minhoca na chapa, gritando que queria qualquer coisa. Não conseguiu entender o quê. Só observou os olhares tortíssimos para a mãe da criança, como se fosse direito inalienável julgá-la pelo pití mirim. “Isso é falta de educação.” “Vê se mercado é lugar de trazer criança.” “Fosse filho meu, nunca ia dar um show desses.” Era possível ouvir o eco dos julgamentos, mesmo que nada fosse dito.
Nos corredores, celebridades de papelão em poses maternais e roupas brancas lembravam o Dia das Mães em produtos de limpeza, de cozinha, de bebês e o escambau. Imagens diversas que associavam todo o trabalho infindável e gratuito feito em um lar ao “amor de mãe.” Pleno 2021. Signos que não admitiam cansaço, tristeza, frustração, raiva ou o mais sincero desconhecimento do que fazer. “Mamãe sabe tudo”, diz a dita sabedoria popular. E quando não sabe? É menos mãe? E quando não consegue, não pode ou não lhe permitem? Tem menos amor?
Pensou no quanto ela e a mãe do moleque esperneante eram, por motivos muito diferentes, prisioneiras de estigmas de maternidade cruéis e naturalizados. E que só poderia haver um pleno “Feliz Dia das Mães” com o vislumbre de alguma liberdade. Imaginou o horizonte da possibilidade e lamentou não ver traços dela. Mas continuou caminhando em sua direção mesmo assim. Por ela, pela mãe do moleque e por todas.