O primeiro frio do ano chega sorrateiro à sua janela numa manhã de segunda em que existir, por si só, é um sacrifício. Não porque a vida não valha a pena, porque a felicidade seja incerta ou porque o amor doa mais do que a gente gostaria. Mas só porque é segunda, e a friagem chegou sem nem mandar recado pela noite quente anterior. Além disso, chove. Chove, sem trégua, uma chuva fininha a la Petrópolis que só serve para espantar cães da calçadas e aumentar o frizz dos cabelos que se rebelam contra sua separação do travesseiro.
Relutante e movida talvez por um senso de capitalismo inconsciente, ela deixa seu ninho de edredons e se dirige à janela, porque “piso de madeira estraga quando molha”. Já com as mãos nos vidros gelados, para por um instante, e questiona-se quando se tornou esta pessoa que teme tanto que as coisas pereçam: o piso, a juventude, as amizades, a vida. Tão monotonamente prevenida o tempo todo. E interrompe o movimento das vidraças.
Deixa a janela aberta, deixa que o piso estrague, deixa que a chuva molhe. “Já tem muita proibição nesta vida”, chega quase a murmurar. Chove um chover daqueles diagonais, que não facilita o ofício de sombrinhas ou guarda-chuvas que se apertam nas ruas. Um chover desnivelado e oportunista, que aproveita-se facilmente do parquet quadriculado inocente, que não tem para onde correr frente à inevitável má-sorte.
“Na chuva da vida, eu sou esse piso”, pensou ela, rindo de si mesma em seguida: “Idiota!”. Fecha a janela e caça o rumo do dia útil que se anuncia, lamentando-se por viver ter se tornado este algo que não permite nem que a gente pense umas bobagens só porque está frio e chovendo.