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Desabamentos

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O mundo (ou o microuniverso em que estamos inseridos, independentemente do tamanho dele) quase sempre para por um instante quando alguma construção desaba – a não ser pelas casas históricas demolidas que viram Drogasil pela cidade afora. Lembro-me direitinho onde estava em 11 de setembro, saindo do colégio, sem ter a dimensão do que estava acontecendo. Também tenho lembrança clara de quando o Palace 2 desmoronou no Rio, em 1998, matando oito pessoas e o lar de centenas, não se falou em outra coisa, e Sersan, o nome da construtora, virou palavrão. O mesmo quando o metrô de São Paulo “afundou”, matando sete pessoas, em 2007, noticiário toda hora. Não foi diferente com o edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, centro de São Paulo, que pegou fogo e foi ao chão, deixando,um número que só cresce de “desaparecidos” e 92 famílias desabrigadas. Deu mídia o feriado inteiro.

Fiquei pensando em várias outras quedas, desmoronamentos que passam despercebidos, ou são deliberadamente escamoteados, bem diante das nossas fuças. A começar pelo derruimento de qualquer esperança na humanidade quando há gente que consiga ver quem perdeu bens materiais, seu lar, suas coisinhas, suas quinquilharias, seu tão pouco, mas que é tudo… e condenar as vítimas, por se tratar de um prédio de ocupação. O próprio ex-prefeito de São Paulo, cujo nome não por acaso rima com escória, que afirmou “a solução é evitar as invasões, o prédio foi invadido, e parte dela por uma facção criminosa”.Para começar, não é invasão, é ocupação. No rastro de Dória, milhares de “proprietários da verdade” foram atrás, disseminando lixo e falta de empatia pelas redes sociais afora.

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Ninguém escolhe, se tiver opção, chamar de sua casa, um prédio abandonado, em más condições estruturais. Ninguém prefere a insegurança das ruas. Ninguém quer ser culpabilizado quando tem de lidar, além da ruína física do lugar em que vivia, com o desabamento emocional que é perder o teto sob a cabeça e tudo de material e de afetos que ele abrigava. Não vão invadir sua casa, amigão, o prédio era público. E estava abandonado. Não eram vagabundos, eram trabalhadores de renda baixíssima, que não tinham sequer como pagar aluguel. Ainda que pudessem, há, atualmente 380 mil famílias na vida.

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A ruína interior dessas famílias não será televisionada (apenas espetacularizada). Da mesma forma, o desabamento do caráter de quem não se compadece da dor alheia e se preocupa em apontar dedos não vai dar no jornal. O desmoronamento da fé em um senso comum de empatia também seguirá ignorado, ninguém vai parar para assistir. Talvez os mais sensíveis, de uma forma quase masoquista. Assim acontece com nossas pequenas tragédias cotidianas, mesmo do alto de nossos privilégios, vão caindo pedrinha por pedrinha, ou em uma implosão escandalosa. Mas silenciosamente. Ninguém para para ver.

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