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Montanha-russa II

julia coluna
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Tenho andado insistentemente com a metáfora de montanha-russa na cabeça. Acho que pela constatação de que ela retrata o movimento da vida mesmo: este sobe-e-desce, o frio na barriga da subida, o medão da descida em altíssima velocidade, e, sim, o platô, quando respiramos aliviados, talvez um pouco eufóricos ainda. Nesses dias, ruminando a ideia e pensando nos próprios trilhos que tenho percorrido nestes meus quase 33 anos (que completo na próxima terça, aceito parabéns), a primeira coisa que me ocorreu, e que disse em voz alta, foi: “Ai, chega de montanha-russa, eu quero andar de carrossel!”. E uma amiga que me conhece bem disse: “Não quer não”.

E, no fim das contas, não quero mesmo. Eu sei que o subir e descer dos cavalinhos coloridos, em seu giro invariavelmente seguro, nos deixa à prova de qualquer temor de uma queda brusca, completamente protegidos pela tão falada zona de conforto. É bom ficar na zona de conforto sim, ao contrário do que dizem coaches de sei lá o quê, obcecados em meter na nossa goela ideais de produtividade, de que esforço se traduz naturalmente em sucesso, de que pensamento positivo se transforma automaticamente em realização e outros clichês motivacionais. Balela. A zona de conforto não se chamaria tal se não pudesse nos acolher em todas as vezes em que precisamos. Por outro lado, o carrossel gira, gira, gira e, embora seguríssimos, vemos sempre a mesma paisagem, lentamente, sem sequer fecharmos os olhos de adrenalina, sem chegarmos a lugar algum. Saímos do mesmo jeitinho.

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Embora a montanha-russa faça o coração acelerar a ponto de parecer sair do peito, a garganta doer de tanto gritar e os cabelos se desgrenharem completamente, por mais que a gente dê cinquenta mil voltas nas mesmas subidas e descidas, a vista nunca é a mesma. Cerramos os olhos, subimos e descemos numa velocidade alucinante, impossibilitados de enxergar o que quer que seja da mesma maneira. Às vezes tem alguém para apertarmos forte a mão quando o vento vem a mil por hora contra nossas caras. Às vezes não. E tudo bem. Subir e descer sem outra pessoa permite que a gente espalhe as pernas, se jogue para um lado e pro outro do assento, que façamos absolutamente o que tivermos vontade enquanto percorremos — não sem um tantinho de pavor — os trilhos. E ouso dizer que é assim que a gente descobre como prefere ir pelos altos e baixos. Sozinhos. Ninguém pode nos ensinar.

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De mais a mais, conforto deve ser uma constante em colchões, poltronas, cadeiras, redes, sofás e afins. A vida é desconfortável por natureza e render-se tão facilmente à (falsa) estabilidade do carrossel, inteiramente ausente de frios na boca do estômago, é existir pela metade. Tudo bem ter medo da montanha-russa, hesitar, não encarar em alguns dias e só voltar quando estiver preparado. Mas apesar de eu não aconselhar alguns parques fuleiros por questão de sobrevivência, acredito mesmo que os cavalinhos giratórios nos emudecem, paralisam e nos privam de viver. Encaremos a montanha-russa. Tem sempre cinto de segurança.

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