Tem sido um rasgar e remendar, como bem anunciou João. Não há costura que resista à ginástica de esticar e puxar o tecido dos dias em tempos em que nada se sabe sobre os moldes. O que vai ser amanhã? Ninguém sabe. Quando vai ser amanhã? Silêncio absoluto. Mas seguimos cozendo, porque a costura do tempo não para, e uma agulhadazinha em falso que seja põe todos os pontos em jogo. Aí não tem jeito. É desfazer e recomeçar. Descosturar e alinhavar. Rasgar e remendar. (Tudo bem também).
Vez em quando trapaceio e fantasio o ofício das agulhas, robóticas ou das que a gente fecha o olho para fincar-lhes uma linha no traseiro. Finjo não ter parado o atar e desatar de um trapo ou tecido mais besta no outro. Dou-me férias secretas da atribuição de estar sempre construindo, produzindo, parindo algo novo do zero, como se a vida fosse só enfileirar costuras. Poder rasgar e remendar é um alento, mas a gente se rasga e se remenda no processo, sempre com pontos aparentes- ainda que o resultado fique melhor que o modelo original.
Nestes dias de fingimento, tal qual meu parente finge-dor, tenho sempre agulha e algum paninho a tiracolo. Quem me vê poderia jurar que costuro. Seria capaz de apostar dinheiro que dali sai uma vestimenta, um pano de prato, um lencinho que seja (no mínimo alguma coisinha inútil, como essas capas para qualquer objeto, clássicos de casa de vó). Sob o convincente véu de costureira, cansada de rasgar e remendar (rasgar-me e remendar-me), bordo. Só para ter a chance de fazer algo que nada precise ser além de bonito, e meu. Ainda que com um avesso oculto cheio de emaranhados, chegamos ao fim desses dias. Intactos. Secretos. Eu e meu bordado.