Não, amigos, não vou fazer uma carta aberta condenando os tiradores de selfie e nem o boi-de-piranha do momento, o pau-de-selfie. Verdade, a profusão das autoimagens em nossas redes sociais é sim, um tanto irritante – principalmente quando elas revelam o aparato, o bendito pau, originalmente projetado para não aparecer nas fotos. Mas igualmente desagradável é a cruzada que se faz contra os adeptos delas. Estive pensando nas autofotos outro dia, e em como elas são, de certa forma, a expressão-mór do nosso narcisismo: “Olha eu aqui nesse lugar turístico incrível”, “Olha eu de férias e você trabalhando”, “Olha que belezura fiquei com esse filtro do Instagram” (Quem nunca? Eu já!).
Nos autorretratos, ainda mais que nas fotos tiradas por outras pessoas, deletamos aquelas em que saímos com aquela papada estranha, uma olheira de cansaço, de olho fechado ou com o clássico braço gordo, entre tantos defeitos que achamos em nós mesmos. Nas fotos em grupo, muitas vezes o momento tem muitos mais valor do que qualquer imperfeição. Na selfie, queremos ser a melhor versão possível do nosso eu. Porque ali só tem “eu” – no singular ou plural. Acho natural que queiramos compartilhar somente o nosso melhor nesse latifúndio (às vezes improdutivo) sem porteira chamado internet. Afinal, quem quer fazer má publicidade de si mesmo? A meu ver, é só um reflexo de nossa vida off-line, na qual também nos esforçamos para não tornar públicas nossas fraquezas, nossas derrotas e nossas frustrações. É apenas humano.
Preocupa-me, entretanto, quando a lógica da autofoto é transportada para a vida real, e ficamos obcecados pela ausência absoluta de defeitos. Daí surgem tantos distúrbios alimentares em função de padrões de beleza inatingíveis. Tantas pessoas infelizes por serem incapazes de reconhecer suas vitórias, aflitas sempre em alcançar o que ainda não conquistaram. Gente cronicamente frustrada, por não ter cumprido o objetivo autoimposto de ser o melhor profissional, a melhor mãe, o melhor amigo, a mais bonita, o mais rico. A busca por perfeição a qualquer custo é um buraco sem fundo, em que muitas vezes a gente teima em cair.
Fazendo mudança esses dias, entre tantas caixas, sem querer quebrei parte da moldura de vidro de um quadro que tenho do John Lennon, meu Beatle favorito. Rapidamente peguei-o, já pensando em reparar os estragos, até que, nem sei por quê, pendurei-o na parede de novo. Nunca esteve tão parecido com tudo que li sobre Lennon: fragmentado, imperfeito, com as marcas das quedas à mostra. Deixei o conserto de lado por uns tempos, e percebi que o quadro nunca esteve tão real, tão belo. Como qualquer um de nós, em nossas tantas imperfeições.