– Seu cabelo ficou horrível!
– E daí?
– Fulano estava bem falando mal de você.
– E daí?
– Ciclano não gosta de você.
– E daí?
Chega um momento da vida adulta em que, em várias situações, a gente simplesmente despreza, ignora, invalida, desconsidera o que vem das outras pessoas. Manifestamos em silêncios, sorrisos amarelos, ou murmúrios de “aham, tá bom!” o quanto aquela opinião ou fato é desimportante para o curso de nossas vidas. A juventude diria, em meme, “sem tempo, irmão”. A linguagem universal do descaso, buscando encerrar a conversa, pontuaria, um tanto impaciente: “e daí?”. O passar dos anos vai nos blindando contra o que vem dos outros apenas para atravancar nosso caminho. Lançamos um “e daí” indiferente e tocamos o barco. Vida que segue.
Mas quando frente a num número galopante de mortes, aos milhares, alguém é capaz de dar de ombros e dizer “e daí?”, vemos, então, manifestação mais clara e covarde do escárnio e do desdém pela vida de uma população inteira. Atribuem ao caos resultados genocidas de uma política que não se preocupa com gente, e não faz a menor questão de esconder. “E daí?”. “E daí?”. “E daí?”. Soa como uma série de disparos de arma de fogo (ainda mais vindo de quem). E ainda tem muito tiroteio pela frente.
Sou imune à “Síndrome de Pollyana” que pode causar cegueira ocasionada por excesso de otimismo. Ainda assim, cá do fundo do poço onde estamos e para onde iremos mais fundo, inevitavelmente, consigo vislumbrar, mesmo do meu pessimismo inveterado, um dia no futuro em que eu estarei listando os presidentes e presidentas que este país já teve. Em algum momento, serei interrompida, por alguém que dirá: “Faltou o que foi eleito em 2018”.
E neste tempo em que estaremos livres deste castigo, responderei do auge do meu asco e desprezo: “E daí?”