Apesar de toda a tecnologia, eu ainda sou do tipo que gosta de escrever em caderninhos, papeizinhos, blocos, no verso de flyers de desconto, em qualquer coisa que possa se tornar um manuscrito. Adquiri o hábito talvez por conta da minha memória ruim, que já me fez esbravejar por não consegui me lembrar de alguma ideia que tive – sobretudo aqui para a coluna – e achei “genial” na hora. Pode até ser que essas epifanias que se perdem no corrompido HD da minha cabeça nem fossem tão boas, mas o fato de não poder acessá-las me põe num humor com saborzinho de quinino. Por isso mesmo, penso, logo escrevo.
Essa semana, caçando um caderninho para colocar na bolsa, achei as anotações que fiz sobre a palestra de João Silvério Trevisan, um dos maiores estudiosos da história da homossexualidade no Brasil (reaças, tremei!). Lembro-me que saí de lá muito impactada, porque muito além de questões inerentes à comunidade LGBTTI+, Trevisan falou sobre assuntos que me afetam diretamente vivendo, ainda que do alto do meus privilégios de branca, hétero, cis e de classe média, como mulher. Falou sobre como a construção histórica da masculinidade é opressora, injusta e acaba causando dores a todos e todas – inclusive àqueles que são atores desta masculinidade tóxica e agressiva.
Mas ali entre meus escritinhos, achei uma fala linda dele, do alto de seus 74 anos, tendo vivido todas as perseguições, violências e preconceitos que um homem gay enfrenta em sua trajetória: “Não abro mão de ser defensor do direito de amar”. Nem eu, João. Amar, a si e a quem quer que seja, já é um caminho que, necessariamente, passa por vias desniveladas, esburacadas, de subidas e descidas, porque o curso da vida, em todas as suas esferas, é assim mesmo. E por isso mesmo. ninguém – eu disse ninguém – pode ter a pachorra de limitar toda a emancipação que vem do amor, próprio e pelas outras pessoas. E amor que só fere não é amor, é cilada, já profetizou o pensador contemporâneo do pagode 1990.
Num cantinho abaixo do caderno, estava escrito, também entre aspas: “Estamos ensinando este país a amar.” Vendo tanto ódio grátis e em quantidades imensuráveis eu não sei se estamos, de fato. Mas como filha e neta de professoras, e eu mesma tendo sido uma, sei que o compasso do ensinar tem seu ritmo próprio. Quando a gente menos espera, algo mudou dentro das pessoas, e as transformou para sempre: elas aprenderam. Diferente de Drummond, não escrevo sob efeito de uma lua ou um conhaque, mas talvez porque o sol tenha aparecido depois de tantos dias de chuva, porque eu ando cercada de tanta gente incrível, ou até porque acho que a educação é redentora, eu ando acreditando, que mesmo em tempos tão duros, a gente possa ter sucesso, algum dia, neste projeto (co)letivo do amor. Mas pode ser que eu seja somente uma enorme trouxa. Em qualquer caso, prefiro assim. Deixar de acreditar é se estagnar e deixar de viver. Ensinemos.