Tenho fixação por ditados, bordões, dizeres e por todas as mitologias que se cria em torno de como se consolidam como tal. Como fã inveterada, sou também usuária ávida. Tenho alguns que herdei, como o “não é sangria desatada”, que aprendi com minha mãe para aplacar aflições e ansiedades desnecessárias. Eu mesma repito há anos, e trago como conselho instantâneo e multifacetado que “a necessidade faz o sapo pular”, já que a gente se vira como pode dependendo das circunstâncias.
Morro de rir também do fato de como, ao contrário do que arrogantemente pregam os puristas, a língua, como o povo, pulsa vida. Assim, não adianta cercar, gradear, trancafiar as palavras nas restrições de uma norma em que as pessoas não se veem. De que vale uma linguagem se ela não serve a quem a usa? Assim, de boca em boca, escrito em escrito, gesto em gesto, os ditos vão sendo lapidados. “Esculpido em carrara” vira “Cuspido e escarrado”. De protesto a deslocamento geográfico, “Quem tem boca vaia Roma” se torna “Quem tem boca vai a Roma”.
Um clássico irrevogável da minha família é o “Quem pariu Mateus que o embale”, usado para que as pessoas assumam as consequências e responsabilidades de seus atos. Uns dias atrás, ri demais com um Matheus que, ironicamente e desafiando o saber popular, é quem mais frequentemente me embala, no sono, no riso e no pranto. Numa breve busca, descobrimos versões cuja veracidade jamais atestaremos, mas que foi o suficiente para um entretenimento besta: “Quem pariu e bateu que embale”. “Quem pariu os maus teus, que embale”. “Quem pariu mal os teus que embale”.
Diz-se também, sem fonte totalmente segura (como é comum com estes saberes) que a origem é bíblica. Que a expressão deriva de quando Jesus decidiu acolher Mateus entre seus discípulos. Acontece que o gaiato era um cobrador de impostos e a boa ação de Cristo pegou mal, já que só quem devia se meter com um cobrador seria sua própria mãe. Assim, “quem pariu Mateus que o embale”.
Para além do meu bobo divertimento, deixo a credibilidade da origem dos dizeres para os linguistas. O que sei de fato, é que neste país em que mais de cinco milhões de crianças não têm o nome do pai na certidão de nascimento (dados do Conselho Nacional de Justiça), quem embala Mateus, João, Gladston, Fernanda, Maria, Luana e quaisquer outros nomes é quem pare mesmo, na maioria absoluta das vezes. Não sou eu que estou dizendo, é uma pesquisa do Instituto Locomotiva, apontando que o Brasil tem 11, 5 milhões de mães solo, isto é, que não possuem a ajuda de qualquer outra pessoa.
Nesta mesma nação de filhos e filhas sem pai, há quem ache inadmissível um homem trans não apenas exercer sua paternidade, mas servir como modelo dela em campanha publicitária. Na semana que se foi, Thammy Gretchen e sua família foram alvos de ataques odiosos após estrelarem uma ação da Natura para o Dia dos Pais. Imbecis típicos do tribunal da internet esbravejaram asneiras sobre biologia, “homem de verdade”, e propuseram boicote à marca. O tiro saiu pela culatra (por sinal, mais um belo espécime da sabedoria popular): depois da campanha, as ações da Natura registraram a maior variação positiva no Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores brasileira.
Em tempos tão duros, é reconfortante ver que “a esperança é a última que morre”, “Há uma luz no fim do túnel” etc. Uma pequeníssima satisfação diante de tanta desgraça e tanta gente para repercuti-las e praticá-las. O sussurro tímido, porém certeiro, de que a sabedoria popular é implacável, e que o ódio às vezes pode estar onde sempre deveria: quem pariu, que o embale.