“Como é que se define um geraldino? Não se define. (…) O comportamento do geraldino se define exatamente pelo o que ele tem de indefinível. A geral era uma possibilidade. Eu quero estar em um estádio. Se eu quero ver o jogo ou não, dane-se”. Luiz Antônio Simas, historiador, descreveu assim, em depoimento ao brilhante Geraldinos (2015), de Pedro Asbeg e Renato Martins, o antigo torcedor da geral do Maracanã. Pois na última sexta-feira (24) completaram-se 15 anos desde que os pobres foram perversamente sentenciados a esquecer o Maracanã. A vitória do Fluminense sobre o São Paulo, por 2 a 1, pelo Campeonato Brasileiro, fora a última presenciada pelos geraldinos.
A geral era o setor mais popular do Maracanã, e os seus frequentadores, como eternizara Apolinho, geraldinos. Na geral, havia de tudo um pouco. Desde o Homem-Aranha na fila do banheiro ao Mister M. Apesar de indefiníveis, havia, em uma última instância, uma coesão óbvia entre os geraldinos: podiam pagar somente pela geral. Também em depoimento ao Geraldinos, o jornalista Lúcio de Castro definiu-os como a expressão do Dom Quixote. “Ali, ele tinha realmente o seu momento de extravasar e botar para fora essas coisas. E de sonhar, acima de tudo. Era o único momento de sonho desse Dom Quixote que estava ali. Os moinhos de vento tinham ficado lá para fora, e, ali, ele tinha um momento em que poderia sonhar realmente.”
O fim da geral foi consumado em meio ao curso de elevar o Rio de Janeiro ao “balneário” dos grandes eventos. Em 2005, a capital fluminense preparava-se para sediar os Jogos Pan-Americanos de 2007, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. E o Maracanã foi o bode expiatório da elitização carioca. No recibo dos tecnocratas do então governador Sérgio Cabral (MDB), quem pagaria a conta, como sempre, seria os pobres. Já para o Pan, a geral, apenas de concreto, sem assento algum, deu lugar a cadeiras. A descaracterização foi completa para a Copa do Mundo com a destruição dos antigos anéis do Maracanã. E o argumento, cínico, por sinal, já que pelos geraldinos nunca se interessaram, era de que a geral era “desconfortável” e, até mesmo, “insalubre”. Como solução, tiraram o pobre do estádio.
Quinze anos após o fim da geral, estamos em vias de findar, a contragosto, um processo de elitização em que o futebol e, simbolicamente, o Maracanã estiveram na trincheira dos derrotados. Já assolados pela gentrificação, os geraldinos foram condenados a recorrer aos sistema de televisão a cabo pirata em suas casas na periferia; o mais longe possível do centro urbano gourmetizado. E, dado o iminente retorno das atividades esportivas, em meio à pandemia do novo coronavírus, sem público ao menos até o fim deste ano, o cenário que é desenhado pelos tecnocratas é ainda pior. Ir a estádios será mais do que nunca um privilégio. E os geraldinos, desempregados, acompanharão seus times pelo rádio.