Gerson deixará o Flamengo como um delírio fugaz. Ninguém sabe por que chegou, tampouco por que irá embora. Mas todos os rubro-negros sentirão saudades seja miragem ou não. São dois anos que escorrem repentinamente entre os dedos como uma paixão avassaladora de seis meses. Poucos se lembram que, antes de ser 8, Gerson foi 15, ou que, antes de jogar de frente, estreou de costas. Mas a maioria agora fixa os olhos em cada gesto em campo de Gerson desde a venda para o Olympique de Marseille. Embora alguns ensaiem a despedida há apenas um par de semanas, outros já se resignavam desde a final em Lima. É que sempre soou como loucura Gerson aqui, não lá.
Até podem apontá-lo como um exímio passador, mas Gerson carrega nos pés a ludibriação. Ele poderia cruzar o meio-campo de uma linha lateral à outra escondendo a bola do adversário de cabeça erguida, mas também conduzi-la em um pique por 20 metros com dois ou três infelizes na rabeira. Nenhum rival sabe quando Gerson vai escondê-la ou exibi-la. E, para a tortura dos adversários, meio palmo de terra ou cinco não lhe fazem tanta diferença. Nem recebê-la de costas ou de frente. Gerson não precisou cursar física para entender como se dá o tempo e o espaço. Não há fórmulas para explicar o instinto.
É que Gerson também atende a um tipo raro de jogador brasileiro. Não é como laterais de linha de fundo ou segundos atacantes, por exemplo. Qualquer peneirada em um riacho encontra um dos dois como se achava ouro no Brasil Colônia. Gerson é um autêntico meio-campista de passadas largas. A única premissa inegociável para essa estirpe é a elegância. O trote insolente até pode fazer raiva. Mas ela é arbitrariamente engolida na condução de bola seguinte. Jogadores como Gerson, em última instância, lembra que o futebol brasileiro se orienta a partir da bola, não do espaço. Não se espera a bola, pois, dentro de campo, a urgência em tê-la é o maior dos anseios.
Não há muitos indícios sobre qual será o destino de Gerson em Marseille. Se jogará como oito ou como dez, se será burocrático ou transgressivo, se apoiará Les Républicains ou o Parti Socialiste. Tampouco é improvável fazer qualquer aposta em como será a sua relação com Jorge Sampaoli. Até porque as convicções do argentino duram tanto quanto um fósforo aceso. Mas Gerson não precisa cumprir uma via crucis para ter uma carreira bem-sucedida. O seu compromisso tácito é apenas arrebatar os franceses como arrebatou os brasileiros.