708 pessoas vivem nas ruas da cidade
Seis em cada dez moradores de rua de Juiz de Fora admitem que usam constantemente o álcool. Já em relação às drogas ilícitas, sete em cada dez afirmam conviver de perto com elas, no entanto, menos de três (28%) reconhecem que usam entorpecentes, como o crack e a maconha. Estes são dados prévios de um diagnóstico que revela quem é a população de rua da cidade. A pesquisa foi realizada pela Secretaria de Assistência Social (SAS), entre outubro e dezembro de 2010, e ainda está em fase de finalização. Segundo o estudo, esta população tem alto índice de rotatividade no município, já que quase 60% estão há menos de três anos vivendo sem um teto.
Pelo levantamento, 708 indivíduos, sendo 86,9% homens e 13,1% mulheres, estão nesta situação. Muitos afirmam que têm atividades e citaram, durante a pesquisa, que são catadores de papel e flanelinhas. Outros se identificam como andarilhos, dependentes químicos ou pessoas com alguma deficiência psicológica ou mental. Aproximadamente 70% confirmaram não ter residência fixa. Em diagnóstico anterior, realizado em novembro de 2007, eram 745 pessoas em situação de rua.
Segundo o estudo, a maioria desta população está concentrada nas praças da área central. À noite, porém, eles procuram locais para se abrigar do frio, um inimigo à mais neste período do ano. A Tribuna esteve nas ruas durante o dia e à noite e encontrou pessoas dormindo até mesmo em meio a sacos de lixo, para se proteger das baixas temperaturas, como na Rua Doutor José Cesário, no Alto dos Passos, na Zona Sul.
O modo como eles agiam durante a abordagem era sempre o mesmo: desconfiados, mas dispostos a compartilhar a própria experiência. Na Rua José Kalil Ahouagi, no Centro, um jovem de 25 anos, natural de Salvador (BA), é o espelho do diagnóstico elaborado pela Prefeitura. Ele conta que saiu da casa da irmã, moradora da Cidade Alta de Juiz de Fora, há cerca de seis meses. Ele admite a dependência do crack e diz que não queria expor a sobrinha, de 7 anos, a nenhum risco. "Cheguei à cidade há dois anos para trabalhar com a família, proprietária de um pequeno comércio. Aos poucos, fui me envolvendo com a droga e, há seis meses, resolvi sair de casa".
Para sobreviver, Baiano, como é conhecido, trabalha recolhendo papelão. "No fim do dia, vendo o material para comprar crack", admite. A sinceridade em expor suas próprias fraquezas contrasta com um pedido de ajuda. Ele afirma que tenta largar o vício e não consegue. "Não acredito em clínicas de recuperação, acho que a iniciativa em parar deve partir de nós. Estou conseguindo diminuir a quantidade diária, mas é muito difícil." O jovem disse que tem o ensino fundamental completo, habilitação para dirigir automóvel e já trabalhou como borracheiro.
O coordenador do Movimento Nacional da População de Rua, Samuel Rodrigues, que viveu em logradouros públicos durante 13 anos, afirma que muitos acabam se tornando dependentes químicos devido ao sofrimento de estarem nas ruas. "Claro que não podemos generalizar, mas diria que o crack, a maconha e o álcool funcionam como uma válvula de escape. O acesso a estas drogas é muito fácil."
Já a chefe do Departamento de Proteção Especial da SAS, Maria das Dores Barbosa de Moraes, confirma que é grande a presença de moradores de rua com alguma dependência química. Ela vê esta realidade como um desafio, pois, diferente das pessoas que perderam suas moradias devido à falta de empregos, por exemplo, estas deixaram seus lares por opção.
Necessidade de adaptar programas a este público
Criar políticas públicas para atender esta diversidade é um problema a ser enfrentado em muitos lugares do Brasil. Para o secretário executivo da Coordenadoria de Inclusão e Mobilidade Social do Ministério Público de Minas Gerais, Tadeu David, alguns governantes preferem não consultar os moradores em situação de rua e acabam impondo os serviços de assistência social. "Imagine um albergue, onde colocam em um mesmo quarto 30 pessoas, em 15 beliches. Todos gostam e querem privacidade, e nem sempre é possível. Por isso, eles criticam as ações dos governos. É necessário adaptar os programas existentes de acordo com os desejos deles."
É justamente esta a afirmação de um morador de rua identificado pela Tribuna. Ele tem 43 anos, sendo 35 sem moradia. Ele afirma que pretende "morrer na rua". Demonstrando certa revolta, ele disse que, em certo momento da vida (não soube precisar quando), foi casado e viveu no município de Rio Pomba. A dependência pelo álcool o fez perder a esposa e a família. "Minha primeira experiência em rua foi aos 8 anos de idade, quando fugi da casa dos meus pais (a família é de São João Del-Rei). Além da cachaça, já fui viciado em crack e maconha, mas consegui largar."
Apesar de reconhecer e agradecer os trabalhos realizados pelas igrejas, ele critica a abordagem dos programas sociais do Poder Público. "Não gosto do albergue, prefiro ter a minha liberdade, por isso não saio das ruas."
Outro morador de rua ouvido tem 42 anos, sendo os últimos 15 sem moradia fixa. Ele também é catador de material reciclável, mas garante que não troca o dinheiro conquistado por drogas. "Já fumei muito crack e consumia álcool. Hoje, estou limpo." Perguntado sobre a renda conseguida com trabalho informal, ele conta que, em dias considerados bons, é possível faturar até R$ 30. "Meu sonho é ter uma casa. Para isso, quero um trabalho com carteira assinada para poder viver embaixo de um teto. Já estive no albergue, mas não gosto de lá. Prefiro ficar na rua".
Cad Único
Foi iniciado no município, em 27 de junho, o cadastramento da população em situação de rua (Cad Único). O objetivo é tentar incluí-los nos programas de transferências de renda do Governo federal, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada, pelo qual é possível receber auxílio no valor de um salário mínimo. A Secretaria de Assistência Social acredita que o auxílio ajudará aqueles que estão em situação de rua, mas querem recuperar seus projetos de vida.
Tentativa de reintegração ao convívio familiar
Em Juiz de Fora, a Secretaria de Assistência Social (SAS) oferece programas para esta parcela da população. Conforme a chefe do Departamento de Proteção Especial da SAS, Maria das Dores Barbosa de Moraes, a qualidade nos serviços prestados é um diferencial do município. Como exemplo, ela citou o Centro de Referência Especializado da Assistência Social (Creas) População de Rua, onde técnicos, assistentes sociais, psicólogos e educadores abordam estes indivíduos e os convidam a participar das atividades durante o dia. "Fornecemos café da manhã, almoço e, durante a tarde, há várias atividades, como palestras, filmes e oficinas de arte. Recuperamos a dignidade deles e, posteriormente, tentamos a reintegração com o convívio familiar."
Já à noite, existe o Núcleo do Cidadão de Rua, onde é servida sopa e há oportunidade de banho, troca de roupas e café da manhã. "Se eles apresentarem comprovante de trabalho formal, recebem ainda uma marmita com almoço", diz Maria das Dores.
Instituições
Diversos representantes de instituições, principalmente religiosas, dedicam parte da semana em ajudá-los. A Primeira Igreja Batista (PIB), por meio do Projeto Restituir, atende cerca de 80 pessoas, toda sexta-feira, e oferece serviços como corte de cabelo e barba, banho e alimentação, além de doação de agasalhos. De acordo com o presidente do programa, pastor Aloizio Penido Bertho, há ainda orientações, com psicólogos e advogados, para tentar tirar as pessoas das ruas. "Sempre que existe a vontade e o empenho, nós ajudamos. Muitos recuperaram a dignidade, voltaram para suas famílias e hoje trabalham devido ao nosso auxílio."
Trabalho semelhante é oferecido pela Igreja Metodista de São Mateus. Por meio da Associação Metodista de Ação Social (Amas-JF), cem pessoas carentes são atendidas, às quartas-feiras, e têm acesso a serviços, como banho, corte de cabelo e alimentação. De acordo com um dos representantes da associação, Mozarqui Moreira Guida, pelo menos 30 acolhidos são moradores em situação de rua. "O que percebemos é que muitos perderam suas casas por causa das drogas. Eles se tornam agressivos, e a família, muitas vezes, não aceita esta condição." Segundo ele, a igreja criou um balcão de empregos e tenta colocá-los de volta no mercado de trabalho.
Outro trabalho para este público é desenvolvido pela Fundação Espírita Allan Kardec (Feak), por meio do projeto "Ronda Noturna". Conforme a diretora do Departamento de Serviço Assistencial da instituição, Raquel Cotta, várias equipes vão para as ruas, a cada três sextas-feiras do mês, para distribuir lanches e agasalhos. "São pessoas que gostam muito de conversar, então, além do auxílio material, compartilhamos experiências e fazemos orações."