‘Guerras Secretas’: Mais forma que conteúdo

Por JÚLIO BLACK

Oi, gente.

A notícia correu o mundo dos quadrinhos no início do mês: a Marvel decidiu dar um tempo nos megaeventos após suas revistas perderem espaço para os títulos da DC. Entre os motivos para a mudança, a fadiga entre os leitores com as sagas anuais que consomem dezenas ou centenas de títulos, e o fato de que a decisão da DC em apostar em aventuras menos interligadas e mais otimistas agradou à turminha que gosta de comprar apenas as revistas de seus personagens preferidos. De acordo com a Marvel, serão pelo menos 18 meses sem megassagas após o final de “Império Secreto” (com o Capitão América comandando a Hidra) e o quebra pau de “Inumanos versus X-Men”.

Por coincidência, a decisão foi divulgada quando eu finalizava a quase interminável maratona de “Guerras Secretas”, que se estendia desde meados de 2016, e posso dizer que a Marvel tomou a decisão certa. Quem já tentou acompanhar esses megaeventos surgidos nos anos 80, como “Crise nas Infinitas Terras”, as duas “Guerra Civil”, “Invasão Secreta”, “Crise Final”, “Dinastia M”, “Ponto de Ignição” etc. sabe que a grande maioria do material é descartável e não faria falta alguma. Todos esses eventos megalomaníacos podem até servir para organizar a casa (caso da pioneira “Crise…”, que acabou com a zona que era a cronologia da DC) e justificar a tese de universo interligado, mas a verdade é que esta foi a forma que as editoras arrumaram para faturar muita grana forçando os incautos a comprarem mais revistas do que costumam, sem esquecer dos posteriores encadernados “versão definitiva” recheados de extras.

E a “Guerras Secretas” – Versão Século XXI segue a mesma linha. Devo ter lido cerca de 95% do material publicado, o que dá mais de 200 revistas e quase cinco mil páginas. Não é pouca coisa. A desculpa da editora era promover um megaevento em homenagem aos 30 anos da “Guerras Secretas” original, e, ao mesmo, tempo revisitar histórias que marcaram gerações, como “Dias de um futuro esquecido”, “A Saga de Korvac”, “Futuro imperfeito”, “O Velho Logan”, “A Era do Apocalipse”, “Guerra Civil”, “Desafio Infinito”, “1602”, “Planeta Hulk”… Só que o resultado é decepcionante.

Tudo começou a ser preparado em 2013, quando Jonathan Hickman assumiu algumas das séries dos Vingadores e criou uma trama em que os Illuminati (Homem de Ferro, Senhor Fantástico, Doutor Estranho, Namor, Pantera Negra, Raio Negro e Fera – substituto o falecido Professor Xavier) tentam evitar a destruição do Multiverso, que se desenrola por meio da colisão de Terras de realidades diferentes – o que chama a atenção do Doutor Destino.

Quando tudo parece perdido e só restam os universos regular (616) e Ultimate (1.610), é descoberto que os Beyonders, criadores do Multiverso, decidiram acabar com todos os universos existentes. Quem entra em ação para salvar o que restou são o Doutor Estranho, Homem Molecular e Doutor Destino. A solução? Entregar o poder dos Beyonders para Victor von Doom, e aí o Doutor Destino reúne pedaços que restaram de alguns universos e cria uma nova realidade – o Mundo de Batalha, em que ele é o único e onipotente deus criador de tudo.

O plot em si é interessante. Doutor Destino é um vilão inteligente e empreendedor, daqueles que desistem nunca, e colocá-lo como o Deus Supremo do universo faz justiça à capacidade do soberano da Latvéria em aproveitar as oportunidades que surgem. Só que a minissérie principal, escrita por Jonathan Hickman e ilustrada pelo croata Esad Ribic, não se aprofunda nos dilemas que envolveriam uma divindade demasiadamente humana, com uma trama esparsa e encerramento ligeiro. As nove edições ficando perdidas entre as dezenas de tie-ins que compõem a trama geral.

Tanta historinha mais atrapalha que ajuda a trama a deslanchar, até porque a maioria é, como escrevi lá no início, descartável. Há histórias muito ruins, como “Futuro imperfeito”, “Corredores Fantasmas”, “Mundo Estranho”, “V-Force”, “Era do Apocalipse”, “Inferno”, “Anos de um Futuro Esquecido”, “Guerra das Armaduras”, “Ilha das Aranhas”, “Mestre do Kung Fu”, “Aranhaverso”, “Desafio Infinito”, “2099” – e a pior de todas, “X-Men 92”, que é inspirada no desenho animado dos anos 90 e conta com a insuportável Jubileu.

Outras são interessantes, como “Esquadrão Sinistro” e “Thors”, ou divertidas por não se levarem a sério, casos de “As Secretas Guerras Secretas de Deadpool” e “M.O.D.O.C. Assassino”. No final, as únicas séries derivadas que valem a pena em todo esse fuzuê são “O Velho Logan”, “A Saga de Korvac”, “Guerra Civil” e as inacreditáveis “Onde os monstros habitam”, escrita pelo finado Garth Ennis, e a hilária “Hank Johnson – Agente da Hidra”.

O saldo final de “Guerras Secretas” é um evento pra lá de confuso, principalmente para leitores novatos. O megaevento sequer cumpre uma de suas premissas, que era provocar nostalgia entre os veteranos. As sagas revisitadas são, em sua maioria, muito inferiores às originais. E nem mesmo a justificativa de unificar os universos se sustenta, pois o Multiverso da Marvel nunca foi a confusão vista na DC pré-Crise. Quem conhece a Marvel sabe que o principal problema da editora do Homem-Aranha sempre foi a zorra total de linhas temporais alternativas, muito mais difíceis de organizar que o Multiverso – basta lembrar a ideia de jerico de trazer do passado a formação original dos X-Men.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

Júlio Black

Júlio Black

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